Infâncias e redes sociais: usos em questão
![](https://static.wixstatic.com/media/e69cf9_404d3158df514cffac5ea837269c5a6b~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_301,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/e69cf9_404d3158df514cffac5ea837269c5a6b~mv2.jpg)
Entrevista concedida pelo coordenador do grupo Sinestelas, Jhonatan Mata, à jornalista do Tribuna de Minas, Mariana Floriano.
![](https://static.wixstatic.com/media/e69cf9_e0a42c42cb3047dc80e8de00512b2891~mv2.jpg/v1/fill/w_380,h_412,al_c,q_80,enc_auto/e69cf9_e0a42c42cb3047dc80e8de00512b2891~mv2.jpg)
Quais estratégias podem ser adotadas pelas plataformas para evitar que crianças burlem a exigência de idade mínima de 13 anos ao se registrarem, e como os pais e responsáveis podem colaborar nesse controle?
Bem, não falo no lugar de gerenciador, sobretudo desses grandes conglomerados de mídias/plataformas que concentram boa parte do conteúdo que circula em rede hoje. Mas acredito que cabe aos governos e à sociedade civil como um todo a cobrança por mecanismos que restrinjam e condicionem acessos a determinadas faixas etárias, por meio da verificação de idade. E ainda controlem envios de notificações (sobretudo na madrugada) e de publicidade. Talvez apostar em procedimentos de verificação multifatores e mais complexos do que a simples auto declaração de idade, que pode ser facilmente burlada. Entretanto, todos nós, “os adultos” (que obviamente já passamos pela infância e adolescência) sabem do peso e até mesmo do efeito contrário que a palavra “proibição” enseja. Assim, acredito que investir em diálogos sobre a questão no âmbito familiar, bem como em educação midiática – da educação infantil ao pós-doutorado- e campanhas de conscientização seja um caminho mais efetivo para lidar com o cansaço algorítmico e outras consequências que a “vida em rede” pode causar nos mais novos...
Que tipos de conteúdos disponíveis nas redes sociais você considera mais prejudiciais para crianças e adolescentes?
Pimeiramente, antes de conteúdos, precisamos falar sobre tempo de tela, para além da qualidade ou destinação etária do que é produzido e consumido. Não por acaso, o termo “brain rot” (cérebro podre) foi eleito a palavra do ano pela Oxford University Press. Ele traduz tanto o consumo quanto um sentimento coletivo de exaustão pelo excesso de telas, ainda mais prejudicial para crianças e adolescentes cujo cérebro está em formação. Pesquiso audiovisual desde 2003, tenho dois livros publicados sobre o tema,sempre fui apaixonado por telas e sei o quanto pude aprender também com e através delas. Minha atuação por mais de uma década na especialização em Mídias na Educação (UFJF) me permite afirmar que há um grande e crescente potencial pedagógico na internet- inclusive nas redes sociais que pode contribuir muito para a formação de crianças e adolescentes. Entretanto, percebo rotineiramente nessas mesmas redes, conteúdos e modos de “conversar” com essas faixas etárias que me parecem excessivamente violentos, publicitários ou inadequados para determinadas idades. Especificamente em relação aos conteúdos, os que mais me preocupam são aqueles que se disfarçam de informativos, mas na verdade desinformam ou são sensacionalistas e vídeos curtos descontextualizados, que criam uma espécie de vício em consumir imagens e sons curtos e com pouca profundidade ou espaço para reflexão. Claro que não podemos generalizar, mas às vezes me pego assistindo produções de “youtubers” consagrados e com milhares de seguidores entre as crianças e adolescentes e em poucos segundos percebo uma comunicação violenta, erros gramaticais grosseiros e até a propagação de preconceitos diversos, algo que me aflige.
Plataformas como YouTube, Instagram e WhatsApp atraem diferentes faixas etárias? O que essas preferências dizem sobre o comportamento dos jovens?
Sim precisamos falar ainda sobre o Tik Tok, que é a rede preferida por usuários dos 9 aos 12 anos. Quando falamos de crianças e adolescentes especificamente, o instagram abarca uma faixa etária prioritária entre os 13 e 17 anos, enquanto o YouTube e whatasapp unem todas essas faixas, da mais tenra idade à fase adulta. É preciso considerar ainda que vivemos num país de desigualdades continentais, também no que diz respeito ao acesso a smartphones, banda larga e outros aparatos que possibilitam acesso às plataformas. Mas, de modo geral, é possível perceber o poder das narrativas curtas do tik tok em mobilizar um público jovem. Do YouTube com o consumo de vídeos, reacts, séries. O aumento do acesso ao instagram e whataspp a partir da adolescência se dá, sobretudo, em função da necessidade de ampliação de sociabilidades, que podem ser facilitadas pelo compartilhamento de fotos e vídeos de passeios, encontros, festas, etc e pelos diálogos de mensagens de texto e áudio.
As mudanças da Meta em relação ao discurso de ódio, permitindo comparações ofensivas envolvendo gênero, religião e orientação sexual, podem agravar os problemas de saúde mental entre jovens?
Quando descredencia o papel dos verificadores de informação e ainda acusa, sem provas, tribunais latino americanos que derrubam posts secretamente, o próprio dono da Meta nos dá um exemplo vivo e pulsante do que é a desinformação. Acredito que esse movimento é um desserviço não só à saúde mental de jovens, como à saúde das democracias e da própria internet. Falando aqui a partir de um lugar de usuário, para além de pesquisador, senti na pele o quanto discursos de ódio dificilmente são removidos das plataformas quando denunciamos. E esse passo tende a estimular tais ações, que são cruéis quando incidem sobre uma faixa etária que naturalmente já convive com os impasses da passagem da infância para a idade adulta e incluem alterações físicas e psicológicas.
A exclusão de filtros de embelezamento pela Meta pode ajudar na construção de uma imagem corporal mais saudável entre os jovens?
Os filtros de embelezamento das plataformas são apenas a ponta do iceberg de uma sociedade em que o culto à beleza, à magreza e à juventude eterna são intensos e antecedem a “era das plataformas”. Entretanto, acho válido e pertinente esse discurso de valorização de corpos, pessoas e vidas reais que a discussão sobre essa exclusão de filtros pode ensejar. No dia a dia do Projeto “Polijovem: construindo competências cidadãs” (que coordeno e tem financiamento da Fapemig) posso perceber o quanto os adolescentes, ao criarem suas próprias narrativas audiovisuais, estão dependentes de filtros não apenas de embelezamento mas também aqueles que alteram a voz, por exemplo. E tem sido muito bonito ver esses garotos e garotas iniciando um movimento de crítica e de autocrítica a esses aprisionamentos de uma vida excessivamente filtrada.
A decisão do TikTok de restringir filtros para menores de 13 anos é suficiente para proteger os jovens dos efeitos negativos na autoestima?
É válida, mas parcialmente. Os efeitos negativos na autoestima- sobretudo de adolescentes- têm causas múltiplas. Basta pensarmos no poder destrutivo de comentários escritos ou falados não só nas plataformas, mas também em âmbito familiar ou em outros círculos sociais. Para além de proibir a “filtragem” é preciso discutir- incluindo aqui os jovens na conversa- sobre a necessidade e dependência dos filtros e a quem de fato eles interessam.
Curtidas, comentários e seguidores têm um impacto considerável na autoestima dos jovens. Como as redes sociais podem ser reformuladas para reduzir essa pressão?
Em meu primeiro livro “Um telejornal pra chamar de seu” conceituo algo que denominei de “Síndrome de Darth Vader” no jornalismo. Que seria, grosso modo, essa “mania” de não darmos “cara” aos nossos algozes cotidianos. E percebo essa mesma estratégia de “ocultação” quando falamos sobre usos da internet. As redes sociais em si não são boas ou ruins. É preciso, de certa forma, “personalizar” esse debate, cobrar de gestores públicos e de plataformas, desenvolvedores de conteúdos medidas mais efetivas para reduzir essa “pressão” na autoestima juvenil. A ideia do engajamento ( que se potencializa não só a cada like mas também por deslikes) precisa ser debatida de maneira macro, estrutural. Não apenas entre jovens, mas também entre adultos, profissionais ou amadores, precisamos parar de utilizar curtidas, comentários ou likes como únicas réguas para medir a qualidade ou a legitimidade das pessoas e coisas. Encara-los como uma forma possível, por vezes válida, mas considerar outros fatores importantes para uma autoestima saudável, que flerte menos com narcisismos, egolatrias – ou seu oposto: auto depreciação e pré julgamentos.
Comments